Hoje, depois de uma tarde perdida a contemplar o azar dos outros, dei comigo a recear o negrume precoce da rua. Lembrou-me de que sou uma criança pequena, perdida sem intenções de regressar. Tenho medo. Penso na minha mãe, em constantes pequenas picardias com o meu pai e no que será ter filhos e vê-los crescer por este mundo fora. Penso na minha tia, o nariz encolhido de despeito ao cheirar o meu hálito a tabaco depois de me beijar. Penso na minha avó, encolhida na cama de hospital e de lágrimas nos olhos, confessando a palavras trôpegas o seu medo de não mais de lá sair. Não sei como elas se encontraram alguma vez, nem se o fizeram. Talvez andem por esta terra com o mesmo medo que eu trago, constantemente apertado sobre o peito e sem possibilidade de remissão. Talvez tenham qualquer coisa que as prenda, uma gravidade inchada de fúria. Dou por mim a escrever cada vez pior, eu, que sempre prezei a minha capacidade de expressão. Tenho vontade de mandar a vida às urtigas e fechar-me nesta casa a escrever, eu, que não consigo gerir o meu tempo ou o meu trabalho nem quando a isso sou obrigada. Os meus sonhos atormentam-me com visões de aprazíveis futuros alternativos. A solidão espreita-me na incompreensão destes homens que não têm nada de novo para me dizer.