O que é triste é que essa força, essa vontade e essa certeza de que não somos como os outros - não podemos ser como os outros - faça de nós, no fim de contas, um dos reversos daquilo que gostaríamos de ter sido. Sempre o se, se. Se fôssemos mais fortes. Se fôssemos capazes de suportar a fome. mas não fomos, e recostámo-nos alegremente no regaço das nossas mães e dos nossos pais.
Agora a fome é um deserto, mas continuamos a dizer que a culpa não é nossa, que teríamos de lá desembocar irremediavelmente - a estrada um monstro de duas cabeças e cada boca menos tentadora do que a anterior. Não, não era suposto. Não temos desculpa. Nós não temos desculpa. Nós poderíamos ter continuado a gritar -
- que digo eu?
eu podia ter continuado a gritar.
Mas o soluço engasga e não há cansaço que mate a insónia dos que não comem, mãe, os que não comem para dar à boca de uma força maior. Eu tenho uma matilha de cães esfaimados aos meus joelhos e não sei o que faça deles, mãe. Eu quis fugir e não consegui - eu quero parar e não posso.
Uivam noite e dia debaixo da minha janela e eu atiro-lhes de quando a quando um pedaço de carne. Assim. De olhos cobardemente fechados, as mãos fincadas no parapeito da janela, ouço-os lutar por um pouco. Depressa, o silêncio e meio copo de água, a mão levemente marcada de pó. Agora posso dormir em paz.
Nada como políticos sinceros
Há 1 ano